domingo, 10 de outubro de 2010

CONTOS:campanha perdida

— Imbecil — debochou Kar’rov retirando a espada do meio do peito do paladino que veio a seu encalço.

Limpou a espada na roupa bordada com o escudo da Legião da Luz do falecido a sua frente. Pelo que percebeu o tal “imbecil” tinha certo prestígio, seu emblema era composto de 3 estrelas. Kar’rov olhou para trás e observou o pequeno elfo negro sentado numa pedra, com a ponta de sua faca de lâmina tão escura quanto sua pele tirando pedaços coagulados de sangue das unhas. O olhar malicioso do elfo não intimidava o algoz que embainhava sua espada bastarda.


— Que foi? — resmungou Kar’rov.

O sorriso louco, digno de um assassino, não desapareceu dos lábios do elfo e isso não intimidava, mas irritava tremendamente Kar’rov.

— Fala logo? Por que está rindo e olhando pra mim?

Com essas palavras o algoz avançou em passos firmes, chutando o braço do clérigo aliado do paladino que o caçava. Seu corpo grande, abaixo da armadura era intimidador, e os cabelos castanhos curtos completavam o quadro com o rosto marcado de cicatrizes feitas à foice nos ritos de passagem para se tornar o que atualmente é, um inimigo da bondade.

O elfo negro olhou para a lâmina, viu uma versão embaçada do próprio reflexo no aço escuro e olhou para o ombro direito do algoz que vinha na sua direção. E nesse ombro, para a surpresa de Kar’rov, algo tocou, com leveza e surpreendentemente furtivo. O algoz tremeu como não acontece de forma costumeira. Ele ser pego desprevenido é algo difícil e assim, numa clareira no meio de uma floresta aberta, seus sentidos deveriam o avisar, contudo, dessa vez, falharam. Seu rosto só virou e fitou a mão de Carenia, a humana feiticeira que se movia como uma sombra.

— Você ainda será derrotado por sua impaciência — disse calmamente a humana de olhos brancos — E outra coisa, acho que estamos sendo observados.

Kar’rov puxou o ombro, tirando-o debaixo da mão leve de Carenia.

— Você e seus ouvidos potentes — debochou.

O algoz já presenciara as crises de loucura de Carenia. Ela sofria de algum distúrbio, pois ouvia vozes, dizia ser perseguida e por muitas vezes se escondeu atrás de folhas no chão, crianças e cadeiras assumindo como grandes esconderijos para escapar dos seus perseguidores invisíveis. Kar’rov estava ficando cheio dessa maluca.

— Onde está Malaquias? — perguntou Carenia ao elfo.

Ele deu de ombros. Realmente não sabia. O quarto componente desse grupo gostava de sumir. Malaquias sumia muitas vezes utilmente para fazer uma ronda e observar em volta do local que o grupo repousaria.

— Deixa ele pra lá! — resmungou Kar’rov — Ele sabe se cuidar melhor que vocês dois e mesmo assim se acontecer algo a gente escuta, ele grita como uma meretriz quando está em perigo.

Kar’rov recebeu olhares críticos dos dois, mas não ligou. Não seria um assassino qualquer e uma feiticeira que o calaria. Ele tinha outras coisas para se preocupar. Abaixou entre o paladino e o clérigo, correu a mão entre suas roupas e procurou. Seus dedos encontraram entre muitas coisas inúteis, algo de certo valor, um amuleto que o clérigo utilizava, feito de bronze e com uma safira no centro, valeria uma boa quantia em dinheiro.

Carenia já mexera no caído que chamou sua atenção, o arcano que seguia o grupo morto tinha itens interessantes. Ela conseguiu um pergaminho com uma magia que ainda não identificara, um par de luvas que percebeu ser mágico e sem hesitar colocou — não sentiu diferença nenhuma, mas vestiu — e por fim, a feiticeira examinava o cajado feito de madeira e aço, adornado com tecidos colados e inscrições que remetia a um poema recitado em grandes rodas de bardos famosos. Era uma peça de muito bom gosto, leve, firme e emanava uma aura mágica incrível, sua curiosidade com o estudo dos magos sempre foi imenso, mesmo sabendo que suas habilidades limitavam-na a depender de outras fontes de poder e não dos grimórios e bibliotecas. Ela pensava nisso sempre. O porquê de ela ter suas habilidades mágicas viciadas na sua própria vida e assim viver fugida porque matou mais de uma vez para alimentar seus feitiços. Seus pensamentos viajavam, cruzavam as nuvens em busca das respostas.

— Acorda! — gritou Kar’rov assustando Carenia.

— Não faz isso! — falou com raiva a feiticeira.

— Só tu mesmo! Fica olhando para o nada, de boca aberta, igual uma maluca.

— Que foi?! — deixou o cajado no chão primeiramente levantando para não mostrar intimidada pelo algoz, mas num segundo momento seus olhos mudaram, sua face ficou apreensiva, o algoz e o assassino a frente estavam com armas em punho, olhando para a copa das árvores. Ao lado, caminhando lentamente, com o arco longo feito de osso estava Treor, o ranger que misteriosamente passou por um ritual para receber um terceiro olho no centro de sua testa, era grotesco, mas concedia uma pontaria precisa quando ele retirava a bandana que escondia seu segredo. Os três olhavam para a copa das árvores e ninguém se mexia.

Carenia procurou falar o mais baixo que podia para lançar seu feitiço. As palavras saíam um pouco cortadas, mas o suficiente para uma magia simples. Suas roupas sacudiram como que balançadas por um vento leve e ela fitou o fio dourado que a envolvia. “Proteção nunca é demais”, pensou.

— O que é? — cochichou Kar’rov para Treor.

— Eu vi aqueles galhos se mexendo — disse o ranger com sua voz poderosa e apontando para cima, atrás do grupo.

— Será que esses desgraçados não estavam sozinhos — falou Kar’rov esmagando a mão do arqueiro morto com o peso do seu pé. O barulho dos ossos quebrando parecia dar-lhe prazer.

O elfo negro se moveu para perto da folhagem, olhando para cima e num outro instante já estava no meio da pouca sombra que aquela floresta provia. Sua lâmina negra foi a última coisa que o grupo viu.

Barulho.

Um chacoalhar de folhas no alto e alguns esquilos indo de uma árvore para outra chamou atenção dos três. Kar’rov estava com a espada tão firme que poderia cortar outra lâmina ao meio se viesse de encontro à dele. Treor já preparava uma flecha em seu arco ósseo. Carenia se concentrava e recitava um outro feitiço como precaução. Os pés de Treor alisavam o chão sem produzir barulho, as folhas eram deixadas de lado, os galhos passavam por cima da bota e ele ia se movendo lentamente sem produzir som, o elemento surpresa poderia ser dele ainda. Estava querendo tirar a bandana, mas retirar a mão do arco valeria segundos preciosos para armar a flecha novamente, não faltará oportunidade para enxergar tudo melhor se um combate realmente iniciar.

Barulho.

Agora do lado direito. Carenia já não conseguia mais segurar o volume das palavras, essas precisavam ser ditas mais claramente ou o efeito não sairia como desejado. Vários brilhos giraram de seus pés até sua cabeça, eram quase que vaga-lumes piscando a sua volta, a primeira coisa que aparecesse receberia as luzes no meio do peito.

Um estouro de folhas surpreendeu a todos e da parte de trás o elfo negro vinha no ar, pernas e braços soltos, o corpo girando desengonçado, a cabeça não se controlava até bater contra o chão depois de passar por cima do grupo. Sua trajetória foi seguida por um rastro de folhas e galhos que caíram como uma chuva sobre os companheiros. O elfo se manteve no chão por segundos ainda esperando o corpo absorver o dano. Os outros três depois de verem o assassino do grupo ser arremessado como um tomate, olharam na direção e viram dois troncos grossos serem levantados do chão, ou eles estariam enganados, ou a criatura estava erguendo por mais de dois metros os dois troncos inteiros na vertical.

Zar’rov gritou e sua espada iluminou-se em azul. Carenia disparou e dez luzes avançaram contra a criatura a frente, os projéteis de pura luz passaram entre galhos, folhas, troncos e explodiram em um espetáculo de fagulhas nos troncos levantados e no alvo que ainda se mantinha entre as árvores. Por fim, o inimigo apareceu quando toda a magia se chocou contra si. Zar’rov não esperou ver, apenas avançou e atacou descendo sua espada contra a casca grossa, marrom e dura como pedra. Um ent.

A criatura era uma árvore imensa, que possuía dois braços e duas pernas, dedos eram galhos mais finos que o tronco, mas ainda sim da grossura de uma criança, os pés possuíam galhos retorcidos que serviam de dedos e davam boa estabilidade a toda enorme estrutura. O algoz viu que os troncos que levantaram na verdade eram os braços do ent e foi com eles que a criatura revidou o golpe de espada. O ent lançou o algoz para longe como fez com o assassino e com a mesma força Zar’rov estourou contra o chão dentro de sua armadura pesada.

Duas flechas foram disparadas e acertaram o meio do monstro próximo a um emblema, parecia um cordão, um amuleto. Cerinia correu para trás e de lá recitava novas frases num idioma proibido, ela aprendeu, não negava, mas só utilizava quando em situações extremas. Ver Zar’rov ser arremessado tão facilmente era uma situação extrema.

Ela virou contra o Ent e gritou com toda a força dos seus pulmões:

— Manus Fragmen Necron!

O chão tremeu abaixo da criatura e o solo parecia abrir para o fogo que surgiu, labaredas tão altas quanto um adulto e logo depois dela uma mão óssea imensa, com pedaços de carne podre, dedos tão grossos quando uma coxa de mulher. A visão era infernal, parecia que a mão gigante esquelética vinda dos confins do mundo inferior buscava levar para seu plano natal seu alvo. O fogo que ardia cobrindo os dedos partia a casca do ent. Toda a perna da criatura foi abraçada pela mão que apertava quebrando a primeira e segunda camada de casca da criatura. O fogo penetrou nas camadas mais fundas e fez a criatura urrar.

O gritou era volumoso e passava toda a dor do fogo destruindo sua dura pele vegetal. Mais três flechas foram disparadas e essas miravam o talismã que desprendeu da corrente fina de metal e caiu no chão, entre as folhas.

— Pegue-o! — gritou Treor para Carenia, mirando o cordão com os olhos.

Zar’rov levantou e novamente disparou contra a criatura, aproveitando que a dor a distraía e o fogo infernal conjurado estava consumindo seu corpo. Com a força das duas mãos, o algoz acertou a parte de trás da perna que não estava sendo queimada e a espada estourou cascas e vinhas que formavam o membro inferior. O algoz riu ao ver o estrago, sentiu que era uma árvore que andava apenas.

Carenia olhou para o cordão e recitou uma frase rápida. O amuleto levantou de onde estava e vôo até sua mão. Num lance rápido ela jogou nos pés de Treor que antes de pegá-lo disparou três flechas em seqüência contra o rosto do ent. As flechas fincaram fundo e uma acertou no buraco que servia de boca. O elfo negro já de pé se moveu rápido entre as árvores e flanqueou a criatura, pelas costas mirou nos pontos que ele achava vulnerável e desferiu um golpe atrás do outro com habilidade invejável. Cada estocada não dava descanso para a casca do ent, logo era acompanhada de outra, de outra e mais outra, o furo ia ficando cada vez mais fundo ao ponto do buraco já ter a profundidade de uma adaga e meia.

Depois dessa seqüência de golpes, o elfo mudou de posição e sentiu o ent urrar no final, o buraco estava fundo. A lâmina negra era poderosa e com ela até as mais fortes armaduras cediam, se aço era cortado como tecido, casca de árvore seria fatiada como banha de porco no calor.

Zar’rov e o elfo negro escapavam dos ataques e causavam ferimentos no ent coreograficamente. Carenia mantinha a concentração para sua magia não se dissipar. Ter conjurado outra magia no meio da Mão Ígnea já custou boa dose de concentração. O ent tentava se libertar da mão flamejante esquelética que o prendia no solo e destruía sua pele.

Treor disparou mais uma flecha, mas dessa vez ela bateu contra a casca e quebrou. Não se importou, o amuleto aos seus pés era mais importante. Enquanto observava seus companheiros lutando contra a criatura, abaixou e pegou a peça. Por um instante ele parou e sentiu a espinha gelar. Fitou de novo o nome talhado na madeira banhada em prata. Engoliu seco. Olhou para frente, fitou a criatura que tentava desesperadamente se livrar da mão esquelética ao mesmo tempo em que tentava acertar seus agressores.

O ranger levantou, tremeu os dedos quando preparou as flechas e andando para frente, na direção do ent disparou. Disparou. Disparou. Disparou.

Os tiros eram a esmo, só mirando a grande criatura.

— Carenia! Quanto tempo você agüenta — perguntou Treor nervosamente.

— Bem... — Carenia percebeu o nervosismo — Pouco. Mais um pouco só, alguns segundos.

— Vocês dois!!! — gritou Treor como um louco — Saiam daí! Agora! SAIAM!!!

Kar’rov e o elfo não entenderam a atitude do ranger. A vitória estava quase certa. A criatura não acertou nenhum outro ataque e os dois destroçaram a casca do ent quase que por completo. As flechas não estavam mais ferindo a criatura, apenas a distraindo. O ranger atirava com agilidade maior sacrificando qualquer precisão, apenas para fazer o ent utilizar os braços para se proteger da quantidade de projéteis.

— Saiam! — gritou de novo!

— Por que?! — retornou o algoz, retirando a espada da casca da criatura e dando um passo para trás.

O elfo olhou de forma desconfiada para o ranger. “Se isso tudo não tiver um bom motivo o arco de osso não será páreo para as adagas”, pensou o assassino.

Carenia via sua mão esquelética perder força e ser despedaçada pela criatura. Os pedaços de chamas espalharam-se pela clareira, mas desapareceram antes de tocar o chão. Zar’rov e o elfo negro saíram de perto, mas continuaram olhando para o ent e para o ranger.

O ent sacudiu o resto do fogo, seus galhos da copa jogaram folhas para todos os lados, os grandes olhos marrons brilhantes no meio da casca grossa chamuscada fitaram seus agressores, e a cena se mantinha paralisada. A grande criatura olhando os quatro aventureiros, e o grupo olhando o ent parado. Sumiu. De repente o ent sumiu. Como se nunca estivesse lutado naquela posição. Como se nunca aparecesse pra eles.

— O que é isso?! — gritou o algoz empunhando a espada.

— Não sabia que eles podiam fazer isso — comentou com desespero Carenia olhando tudo a sua volta como rapidez louca.

— Eles não podem... — resmungou Treor com tristeza, parecia que ia chorar — Mas esse não é qualquer um...

— Um dos malditos Ent Protetores? — perguntou severamente Kar’rov lembrando de um grupo dessas criaturas que recebeu treinamento de clérigos e desenvolveram habilidades diferentes.

Mal terminou de falar, o algoz recebeu um pedaço de tronco no meio do estômago. O braço do ent surgiu e logo depois ele inteiro na sua frente e lançou o largo homem contra a árvore mais próxima. Depois se virou e com toda a força do movimento mirou o assassino que rolou por baixo do braço e correu na direção oposta.

Carenia gritou:

— Toma isso sua árvore!

E uma pedra envolta em fogo imensa surgiu na palma da sua mão que estava acima da cabeça como se procurasse chegar mais perto do céu. A pedra flamejante girava dentro das labaredas enquanto era conjurada e girou mais ainda quando foi lançada contra o ent.

— Coma essa Bola de Fogo!

O choque foi uma mistura de cascalho, chamas, cascas e folhas explodindo na clareira. O barulho fez o assassino tremer e o impacto jogou o ent contra o chão de costas entre raízes de uma outra árvore.

— Corre! — gritou Treor.

E todos obedeceram, apenas Zar’rov demorou mais para se levantar e sustentar a armadura amassada, os cortes no rosto e uma costela quebrada. Os quatro correram pela floresta a dentro, entre as árvores esparsas. Não precisava de muito cuidado, dava pra ver tudo a frente e escutar o ent atrás urrando enquanto se levantava.

O grupo se surpreendeu ao chegar a uma ladeira no meio da floresta, mas o barulho da criatura atrás e a atitude ainda inexplicável de Treor os motivaram a descer rápido. Carenia ia atrás de Treor que conhecia melhor o caminho e onde pisar, atrás deles ia Zar’rov e, dando a cobertura de sempre, o elfo negro.

Os passos do ent que os seguiam cessaram ao chegarem ao final da ladeira e se esconderem atrás de um carvalho imenso da largura de uma tenda.

Os quatro se escoraram e os olhares eram interrogativos, para não dizer inquisitivos na direção do ranger.

— Bem... — tentou iniciar olhando para o cordão da sua mão — Esse não é um burro ent comum...

— Isso eu já sei! Conta algo novo! — interrompeu Zar’rov passando a mão por dentro do peitoral para chegar à costela.

— E também não é um Ent Protetor... — uma pausa para secar o suor da testa — ...comum.

— Fala logo o que ele é, maldito! — gritou Zar’rov sem olhar para ninguém, apenas com os olhos fechados de dor, uma careta e a mão achando o osso quebrado.

Treor apanhou o cordão que arrancou a flechadas e levantou contra o rosto para que todos vissem. Todos olharam, mas para qualquer um ali não era mais que um cordão prateado com um nome escrito. O ranger enquanto falava seguia o nome com a ponta do dedo.

— Feltroene Greonoul Frou... Rei dos Ent Protetores. O mais poderoso dos Ent. Herói da Guerra dos Campos Verdejantes do Rei. Capaz de triturar todos nós sem problema.

— Mas como... — tentou Carenia.

— Ele estava testando pra conhecer nosso poder, se éramos dignos, se não maltratariam sua floresta.

— E não... Maltratamos... — falou Zar’rov entre os dentes depois de um estalo da coluna. Suas mãos brilhavam em azul enquanto tentava fechar alguns cortes.

— O que faremos agora então? — perguntou Carenia.

— Ficar aqui sentados que não ajudará — concluiu o algoz.

— Ele pode estar em qualquer lugar esperando para nos atacar. Ele vê o que as árvores escolhidas dele vê. Ele não se camufla como os outros ent, ele literalmente desaparece quando está no meio de uma floresta e o pior, tudo o que fizemos não é...

Um barulho imenso cortou o canto de uns pássaros. As passadas pesadas do Rei Ent Protetor foram ouvidas da frente e não de trás, de onde ele deveria estar vindo. Os olhos dos quatro perguntaram a mesma coisa: ele deu a volta e em silêncio total?

Malaquias preparou o arco e ajudou Zar’rov levantar. O elfo negro segurou firme as duas adagas negras e se separou do grupo pelo lado. Carenia pesquisa o que poderia ajudar o grupo naquele momento. Estava quase sem magia e se continuasse iria precisar utilizar do seu sangue para isso.

A imagem era assombrosa. A criatura caminhava pelas as árvores, tateando cada tronco como se precisasse de apoio, mas eles viam que cansaço não era o que ele sentia. Vinhas verdes corriam pela estrutura fechando os buracos de flecha, os cortes da espada de Zar’rov e das adagas do assassino. O fogo que tanto dano causou parece que nunca aconteceu. As vinhas reconstituíam a casca de fora pra dentro. Galhos mais grossos e, da mesma cor da vinha, formavam massas volumosas nos ombros, pernas, caule e cabeça. Uma proteção feita de galhos que vinham do próprio chão, se ligavam com os já existentes, curavam e formavam a armadura do líder Ent.

O assassino tocou a ponta de suas adagas, olhou para o próprio grupo acuado e sem ter o que fazer pensou numa solução para aquele grande problema com galhos e folhas. Sabia que teria que agir rápido para não ser pego igual da última vez, estava praticamente invisível e mesmo assim foi arremessado como um boneco. Ele já sabia o que fazer, ia precisar de uma ajuda. Colocou a mão dentro da roupa e retirou um pote quadrado de vidro com uma luz amarelada no interior, olhou para a criatura que vinha tocando às árvores e olhou para a posição do grupo que já se movia para ir a outro carvalho.

Carenia sentiu suas veias incharem quando pensou em lançar mais um feitiço, maior que sua atual energia dispunha, na verdade ela já experimentava o incômodo de ser uma feiticeira e não uma maga. De utilizar sua magia após sua energia finalizar. Era um dom e uma maldição também. Sentir o corpo doer quando sua vida é sugada. Carenia quase tropeçou numa grande raiz quando saiam e sua distração custou a furtividade do grupo. O Rei Ent atravessou a floresta em largas passadas, com a vontade de destruir os invasores, de esmagar sem dó. Os galhos batiam nas outras árvores, estalavam.

— Que isso nos ajude — falou a feiticeira bem baixo.

Uma luz verde saiu de suas mãos e como um manto de brilho cobriu os três fazendo-os desaparecer dali. Carenia fechou os olhos e tocou o peito, o sangue acelerou dentro dela com uma fisgada enquanto o grupo recebia sua magia. O líder Ent olhou para os lados, procurava o grupo. Treor balançava negativamente a cabeça, os olhos já molhados, não olhava mais para o Ent apenas para Zar’rov que precisava de um pouco de ajuda pra andar.

— Não adianta... — disse o ranger com todo o desespero de alguém que será assassinado e não possui escapatória.

— Cala essa boca seu estrume! — disse Zar’rov.

— Ele vai nos achar.

O Ent parou onde estava, balançou os galhos superiores, a copa inteira e depois os pés. Algumas árvores em volta brilharam como se chuva estivesse caindo no local. Uma esfera amarelada surgiu acima delas e desceu a toda velocidade, entrando entre os galhos menores e depois os maiores, bateu no caule e iluminou o tronco por um segundo. Esse foi o tempo necessário para o Rei Ent olhar para o lado e ver os 3 ali, num bom disfarce invisível, mas não a altura das habilidades do Líder dos Protetores. Enquanto estiverem na floresta o Líder era o caçador daqueles que ceifaram em sua mata.

A criatura andou rápido na direção do grupo, passando por pedaços imensos de terra e pedra com facilidade. Aquelas pernas de mais de 3 metros de comprimento eram intimidadoras. O ent levantou a mão e com a velocidade que vinha foi interceptado por alguém que pulara na sua face de madeira. O elfo negro surgiu de uma árvore e marcava o ent com suas adagas, eram estocadas rápidas e diretas, a seiva espirrou. O Ent segurou o elfo pela cabeça e o arremessou no chão. A força foi imensa e o assassino quicou duas vezes como um boneco de pano jogado por uma criança. Os três olharam a cena e não acreditavam no assassino recebendo no chão um pisão daquela perna, os galhos perfuraram toda a estrutura do assassino, atravessaram o corpo até chegar ao solo.

— Corram!!! — gritou uma voz seca, gelada, mais parecia um tecido sendo rasgado com as mãos.

A voz vinha da esquerda, entre as árvores, era do elfo negro. O grupo reconheceu o companheiro e correu, o Ent escutara também e sob o seu pé de galhos pontudos o elfo destruído se desfazia em fumaça, logo depois ele surgia das árvores, na frente do Ent.

— Vem, seu amontoado de gravetos de cemitério — a provocação era uma afronta e vindo daquela voz pútrida era pior ainda.

O grupo corria o mais rápido que conseguia para fora daquele lugar. O Ent tentou acertar duas vezes o assassino, mas depois de não conseguir muita coisa, parou o ataque e olhou para as árvores que brilhavam. Abaixou os braços e esperou. Juntou as pernas e tocou a árvore mais próxima. Fez um barulho que parecia de desagrado. Virou as costas para o assassino e caminhou na direção de volta. O elfo negro as suas costas continuou na mesma posição, ameaçadora, girando as adagas nas mãos até começar a desaparecer como fez a primeira ilusão. Uma fumaça branca que começava pelos pés e depois seguia pelo corpo.

Zar’rov, Treor e Carenia correram como nunca até chegarem a um riacho, atravessaram e aumentaram a corrida. Os três nem olhavam para trás, mas olhavam para as árvores e tinham a impressão que ele poderia surgir de qualquer lugar já que o barulho das passadas tinha terminado.

— Como vocês são engraçados quando estão com medo — falou a voz do assassino, rasgada, por um momento como uma assombração, sentado na raiz à frente.

Eles se entreolharam.

— Você gastou... — começou Carenia.

Ele confirmou com a cabeça.

— A runa que você prendeu no pote — continuou Treor — Era de ilusão...

Ele fizera uma cara como se aquilo não fosse muita coisa, acharia outra.

— Vamos embora dessa maldita floresta — resmungou Zar’rov.

— Melhor irem mesmo... — falou o Líder Ent muito longe dali observando através de uma sequóia os quatro juntos — Da próxima vez que encontrar vocês, seus profanadores, não haverá piedade, dois de vocês possuem algo de bom ainda, os outros dois mereciam perecer como fizeram a bons heróis. Vocês não são heróis, são uma escória que deveria ser destruída e expulsa desse mundo. Sinceramente, espero que voltem, voltem para um acerto de contas e dessa vez eu não serei benevolente.

O líder Ent andou mais um pouco e encontrou um elfo antigo, sentado numa parte com muito musgo.

— Piedade de novo? — perguntou o elfo.

— Sim — disse o ent no seu tom de voz mais baixo.

— Imaginei amigo — disse o elfo que levantou de onde estava, ergueu o cajado e muitas árvores paradas ganharam vida. Desprendendo do solo, revelando olhos e bocas — Vasculhem tudo e tragam os corpos, vamos conceder a esses bons homens um funeral.

As árvores bem menores que o líder ent começaram uma caminhada para a clareira.

— Anime-se amigo, existirão mais para esmagar no futuro — brincou o elfo.

O ent só se manteve calado. Era assim que preferia quando sua floresta era banhada com sangue inocente.

2 comentários:

  1. Nossa viajei na História, me lembrou certa parte Senhor dos Anéis! *-* Mas muito diferente, falo q lembrou pela parte das árvores e tals, mas quem lê do começo ao fim, faz uma viagem fantástica! Parabéns Thauan!

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  2. ¬¬, acho que jah vi esse conto em algum outro lugar, não é mestre thauan

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